Por Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz
O escritor inglês George Orwell (1903-1950) escreveu “A revolução dos bichos”, uma sátira da Revolução Comunista de 1917. Os animais, oprimidos pelo fazendeiro e sua família, resolvem, liderados pelos porcos, fazer uma revolução, tomar posse da granja, dar-lhe o nome de “Granja dos Bichos” e instaurar um regime chamado “animalismo”. Entre os mandamentos do animalismo, ditados pelos porcos, há um que é fundamental: “Todos os animais são iguais”. No entanto, ao longo do tempo, os porcos passam a adquirir direitos que os demais animais não possuíam. Para justificar tais privilégios, os porcos resolvem, então, alterar o mandamento da igualdade: “Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais do que os outros”.
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Diz a Constituição Federal, no caput de seu artigo 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Seria de se esperar que essa igualdade atingisse também o nascituro (a criança por nascer). Se as pessoas já nascidas têm direito à vida, o nascituro deveria gozar do mesmo direito. Agir de outro modo seria cometer um preconceito de lugar: dentro e fora do útero.
No entanto, a Ministra Rosa Weber, em seu voto na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 442, proferido em 22.09.2023, diz que a igualdade perante a lei, a que se refere a Constituição, não alcança o bebê no ventre materno. Eis suas palavras:
Não há igualdade de posição jurídica subjetiva entre pessoas nascidas e o embrião ou feto (p. 27).
A norma inscrita no art. 5º, caput, da CF, não prescreve o feto como uma pessoa constitucional, sujeito titular de direitos fundamentais (p. 27-28).
Não há que se falar em direito fundamental à vida do embrião ou feto (p. 29).
Se o Código Civil diz que “a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro” (art. 2º, parte final), isso não significa, para a Ministra, que os direitos do nascituro sejam equivalentes aos dos já nascidos. Poderia Rosa Weber, parodiando George Orwell, dizer: “Todos são iguais perante a lei. Mas os nascidos são mais iguais do que os nascituros”.
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Curiosamente, a Ministra conhece o Pacto de São José da Costa Rica e gasta muitas páginas comentando o seu artigo 4º:
Art. 4. n. 1. Toda pessoa tem direito a que se respeite sua vida. Este direito estará protegido pela lei e, em geral, a partir do momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.
A cláusula “em geral” significaria, segundo Weber, uma exceção ao direito à vida “a partir do momento da concepção”. Infelizmente, a Ministra não faz qualquer alusão ao artigo 3º da mesma Convenção:
Art. 1, n. 2. Para os efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano.
Art. 3. Toda pessoa tem direito ao reconhecimento de sua personalidade jurídica.
Combinando logicamente as duas sentenças, temos a conclusão:
Todo ser humano tem direito ao reconhecimento de sua personalidade jurídica.
Portanto, o direito de ser reconhecido como pessoa cabe a todo ser humano, sem distinção de lugar (dentro ou fora do organismo materno) e sem exceções. Trata-se de um direito absoluto.
Logo, para a referida Convenção, o nascituro é pessoa[1].
Ora, por definição, pessoa é sujeito de direitos. E entre os direitos, não pode faltar o direito à vida, sem o qual nenhum outro tem consistência. Se o nascituro é reconhecido como pessoa – assim o afirma o Pacto de São José da Costa Rica – como entender a cláusula “em geral”, que aparece no artigo 4º, quando se fala da proteção de seu direito à vida? Não é possível interpretá-la como uma excepcionalização, pois uma pessoa sem direito à vida é um monstro lógico. A única interpretação possível é a de uma generalização, ou seja, como sinônimo de sempre. Isso traz consequências importantíssimas, que a Ministra quisera evitar:
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Ao iniciar seu voto, a Ministra reconhece que o que ela vai decidir é contra a vontade da maioria: “O aborto é contrário à moral majoritária da sociedade” (p. 6). Ela, porém, afirma que a tutela dos direitos fundamentais pela Constituição é “por essência de natureza contramajoritária” (p. 7). E mais ainda: “o conceito de democracia não se fisionomiza, nas sociedades contemporâneas, pela simples prevalência do princípio majoritário” (p. 18). Parece que, segundo ela, o Supremo Tribunal Federal teria o direito de “corrigir” a vontade da maioria, que se opõe ao aborto, a fim de fazer prevalecer a vontade de uma minoria, que pleiteia o direito ao aborto. Faltou dizer quem outorgou à Suprema Corte tamanho poder.
No fim de seu voto, Rosa Weber, esquecendo-se de que é juíza, passa a comportar-se como parte. Usa a primeira pessoa do plural (“nós”) como se representasse as “mulheres”, mesmo sabendo que a maioria delas é contrária ao aborto:
Nós, mulheres, não tivemos como expressar nossa voz na arena democrática. Fomos silenciadas! (p. 128).
O que ela não percebe é que seu voto pretende silenciar a voz do nascituro.
Anápolis, 5 de outubro de 2023.
Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz
Vice-presidente do Pró-Vida de Anápolis.
[1] O que torna inaplicável a primeira parte do artigo 2º do Código Civil: “A personalidade civil da pessoa começa do seu nascimento com vida”.
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